sábado, 21 de maio de 2011

[CRÍTICA] O Silêncio do Lago


O Silêncio do Lago (Vanishing, Holanda e França)

Photobucket

Diretor: George Sluizer
Roteiro: Tim Krabbé e George Sluizer
Elenco: Bernard-Pierre Donnadieu (Raymond Lemorne), Gene Bervoets (Rex Hofman), Johanna ter Steege (Saskia Wagter), Gwen Heckhaus (Lieneke)
Ano de lançamento: 1988
Duração: 107 min.

Sinopse: Rex e Saskia, um jovem casal apaixonado, sai de férias. Numa parada em um posto de gasolina Saskia desaparece. Rex passa os próximos três anos tentando encontrá-la, até o dia em que começa a receber cartões postais de alguém que promete revelar o que aconteceu com Saskia.

Crítica:

O que mais chama a atenção em O Silêncio do Lago é sua estrutura narrativa. A história vai e volta no tempo sem rodeios, algumas vezes surpreendendo o espectador ao revelar que determinada cena se passa antes da que acabamos de assistir. Aí reside grande parte da inventividade do longa.

Rex e Saskia surgem como um casal comum, que em questão de minutos se diverte num jogo de adivinhações enquanto viajam, para logo em seguida mergulhar num clima desconfortável quando a gasolina do carro acaba dentro de um túnel escuro, e o rapaz deixa a moça sozinha enquanto parte atrás de combustível. É uma cena importante pela maneira como tal fato afetará Rex mais adiante na história, e por introduzir um elemento simbólico que voltará em diversos momentos do filme: o sonho enigmático de Saskia. Mais sobre ele logo abaixo.

Após fazerem as pazes num posto de gasolina, é a vez de Saskia deixar Rex sozinho para comprar alguns suprimentos para o resto da viagem. Quando o rapaz acha que ela está demorando demais, é inevitável que pensemos que trata-se de uma vingança da garota pelo que seu namorado fez com ela mais cedo. Porém, quando Rex começa a reunir informações sobre os últimos passos de Saskia, os fatos apontam para algo mais aterrador. E esta é apenas a introdução da história.

A grande sacada do roteiro é levar o espectador a acreditar que a trama será totalmente focada nos esforços de Rex para encontrar Saskia, apenas para mudar seu foco para a história de Raymond Lemorne (Bernard-Pierre Donnadieu), o sujeito que a seqüestrou. A partir daí o filme reconstrói toda a cadeia de acontecimentos que o levaram a cometer o crime, e passa a revelar as motivações do personagem, que se torna o grande protagonista do longa.

Raymond guarda semelhanças com o personagem principal do romance Crime e Castigo, de Dostoiévski, encarando o crime como um meio de pôr em prova sua filosofia de vida, mas, ao contrário de Raskólnikov, não permite que a culpa o atormente a ponto de voltar seu plano contra si mesmo, além de ter uma vida social saudável, e uma família que o respeita por ser um pai e um marido exemplar. Bernard-Pierre Donnadieu trabalha com precisão ambos os lados de Raymond, cujo plano é exaustivamente ensaiado, e revelado em detalhes, enquanto procura manter as aparências ao lado da esposa e filhas. É graças ao ator que o filme funciona como um intrigante estudo de personagem, ao mesmo tempo que oferece um suspense envolvente.

Voltando ao sonho de Saskia, a dupla de ovos dourados flutuando num espaço negro ganha várias rimas visuais em diversos pontos da narrativa, como nas cenas noturnas protagonizadas por Rex, onde o brilho amarelado dos faróis de carros remetem diretamente ao túnel escuro onde Saskia se lembra do sonho no início do filme. Uma forma sutil encontrada pelo diretor para ilustrar a culpa que ainda atormenta Rex, além de servir como pistas sobre o destino da garota e a conclusão da história.

Por detalhes como o descrito acima, e a forma como o roteiro trabalha a interação de Rex com Raymond, sem apelar para lugares comuns, aumentando exponencialmente o interesse e a curiosidade do espectador pelo desenrolar dos fatos, O Segredo do Lago é uma aula sobre como fazer um suspense de qualidade sem histrionismo e reviravoltas absurdas.

Nota: 4,5 de 5

[CRÍTICA] O Padrasto


O Padrasto (The Stepfather, Reino Unido e EUA)

Photobucket

Diretor: Joseph Ruben
Roteiro: Carolyn Lefcourt, Brian Garfield e Donald E. Westlake
Elenco: Terry O'Quinn (Jerry Blake), Jill Schoelen (Stephanie), Shelley Heck (Susan), Charles Lanyer (Dr. Bondurant), Stephen Shellen (Jim Ogilvie)
Ano de lançamento: 1987
Duração: 89 min.

Sinopse: Um homem obcecado por valores familiares chamado Jerry Blake casa-se com mães viúvas e divorciadas. Sempre que sua nova família desvia-se dos padrões que ele julga os mais corretos, Jerry mata mãe e filhos, altera sua aparência, assume uma nova identidade, e muda-se para uma nova cidade, onde recomeça seu ritual. Agora é a vez de Susan, e sua filha adolescente Stephanie, mas a garota logo mostra que não será um alvo fácil.

Crítica:

Com uma boa premissa, e um personagem cuja verdadeira natureza é exposta logo na seqüência de abertura, O Padrasto começa promissor, mas infelizmente mostrasse irregular na execução.

Terry O'Quinn é bem sucedido na composição de Jerry Blake, que de início choca, para logo adiante despertar curiosidade ao surgir como um marido carinhoso e um padrasto atencioso. Seus monólogos no porão da casa são bem trabalhados, oferecendo pistas sobre a origem de sua psicopatia, sem entrar em detalhes.

A história ainda conta com outra personagem interessante, a adolescente Stephanie, vivida por Jill Schoelen, que foge dos padrões da época, brigando com socos e pontapés com uma colega de escola que a ofende (no lugar dos clássicos puxões de cabelo); tomando a iniciativa e flertando sem inibições com um garoto; e conduzindo sua própria investigação para descobrir o segredo de Jerry.

Mas, exceto por Charles Lanyer, que torna seu Dr. Bondurant um personagem simpático, o restante do elenco é regular. Susan (Shelley Heck) é insossa e insuportavelmente submissa, e Jim (Stephen Shellen) tem a subtrama mais inútil e tediosa do longa.

O roteiro ousa ao incluir insinuações de que o Dr. Bondurant tem interesses mais platônicos do que profissionais por Stephanie, além de duas cenas rápidas em que a garota aparece nua durante o banho (apesar de Jill Schoelen ter 24 anos na época, vale lembrar que sua personagem tem 16 anos no filme). Na mesma seqüência Joseph Ruben faz uma "meia-homenagem" ao clássico Psicose, levando o espectador a acreditar que verá uma nova reprodução da cena icônica do filme de Hitchcock, apenas para ir contra as expectativas criadas, um detalhe que particularmente me agradou por fugir do óbvio. Infelizmente o filme surpreende apenas nesta cena, pois em nenhum outro momento a história consegue manter o espectador incerto sobre o que virá a seguir.

Previsível e formulaico do início ao fim, O Padrasto vale mais pela curiosidade de assistir Terry O'Quinn, o John Locke da série Lost, interpretando um personagem bem diferente daquele que viveu em seu trabalho mais conhecido.

Nota: 3 de 5

[CRÍTICA] Possuídos


Possuídos (Bug, EUA e Alemanha)

Photobucket

Diretor: William Friedkin
Roteiro: Tracy Letts
Elenco: Ashley Judd (Agnes White), Michael Shannon (Peter Evans), Harry Connick Jr. (Jerry Goss), Lynn Collins (R.C.) , Brian F. O'Byrne (Dr. Sweet)
Ano de lançamento: 2006
Duração: 102 min.

Sinopse: Após escapar de Goss, seu ex-marido abusivo, recentemente solto da prisão, Agnes, uma solitária garçonete com um passado trágico, muda-se para um motel barato de beira de estrada. Um dia R.C., sua colega de trabalho lésbica, apresenta-lhe Peter, um sujeito peculiar e um tanto paranóico, com quem Agnes começa a ter um romance. Porém, as coisas não são como parecem, e Agnes está prestes a experimentar um pesadelo claustrofóbico quando insetos começam a surgir...

Crítica:

Possuídos é daquele tipo de suspense que sustenta-se mais pelas sensações que desperta, do que pelas grandes revelações que reserva ao espectador.

É interessante acompanhar a progressão da história, a começar pela forma gradativa com que é construída. Desde o plano aéreo inicial, em que a câmera se aproxima lentamente do motel em que Agnes vive, rodeado por um deserto que mais tarde mostra-se um reflexo do quadro emocional da personagem; até a longa seqüência de abertura, na qual é perturbada diversas vezes por telefonemas em que a pessoa do outro lado da linha não diz nada. William Friedkin, em poucos minutos, estabelece a atmosfera e apresenta o cenário onde grande parte da história se desenrolará.

Confesso que este é o primeiro filme que assisto com Ashley Judd, mas já fiquei impressionado com o seu talento. Sua interpretação é convincente e cheia de nuances. O desleixo de Agnes nas primeiras cenas gera certa antipatia, mas graças à competência da atriz, e ao ótimo roteiro, logo entendemos os motivos que a levaram a adotar aquela postura, e não demora para que nos simpatizemos com ela, e enxerguemos a beleza que se esconde por trás daquela amargura e baixa auto-estima que vemos no início (claro que ajuda o fato da atriz ser bonita, mesmo com as gordurinhas a mais que a personagem exigia, além de ter um sorriso lindo). Toda insegurança e carência afetiva de Agnes, que não hesita em satisfazê-la com pessoas que lhe dão um pouco mais de atenção, como sua amiga R.C. (Lynn Collins), são bem retratadas por Ashley Judd, assim como a instabilidade de seu humor, que ao primeiro sinal de que está sendo magoada não hesita em deixar sua raiva explodir na cara de quem a fez sofrer.

Mas Possuídos não seria um filme tão magnético sem a outra metade de sua força motriz: Michael Shannon. Seu personagem entra timidamente na história, mas aos poucos toma conta dela e a domina com a mesma eficácia com que estabelecesse um vínculo afetivo-paranóico-obsessivo com Agnes. Shannon é hipnótico em cena, com seus maneirismos, seu olhar perturbador e suas neuroses, tornando Peter imprevisível. É especialmente graças a ele que o filme é tão eficiente na construção de seu suspense.

Paranóia é o que comanda todo o longa e o define. O importante não é entender a origem do que acomete o casal, mas tornar seu público tão obcecado pela verdade quanto Agnes e Peter, a ponto de arrastá-lo pela mesma viagem alucinante a que são submetidos, regada a conspirações governamentais e insetos que só eles enxergam, e cuja presença só eles sentem.

William Fredkin pega o espectador pela mão e o leva até o final sem tropeços, tornando-o a cada passo mais envolvido pela situação kafkaniana de seus protagonistas, e o mantém prisioneiro do quarto de motel de onde Peter e Agnes poucas vezes saem. O desejo do diretor de tornar seu público íntimo de seus personagens evidencia-se especialmente na cena de sexo do casal, em que lampejos da nudez dos atores criam um erotismo minimalista muito eficiente nas sensações que desperta. E aqui cabe elogiar a excelente montagem, que dá ao longa um ritmo compassado e quase hipnótico, que aumenta o interesse do espectador pelo desenrolar dos fatos.

Preservando a natureza incômoda dos eventos, e a incerteza quanto à origem deles, o roteiro é hábil ao oferecer algumas possíveis explicações através da lógica distorcida de seus protagonistas, sem confirmá-las totalmente. Ao encerrar a narrativa sem abrir mão de contar a história apenas do ponto de vista do casal, William Friedkin respeita a lógica interna do longa, concluindo-o no exato momento em que Agnes e Peter chegam a uma resolução para seus conflitos. Para o casal, qualquer explicação que não partisse deles seria insatisfatória e não confiável, tamanho o estado de paranóia em que se encontram no ato final (o visual "alienígena" que o quarto do motel adquire é um indicativo de quão distanciados da realidade exterior eles estão). Uma conclusão corajosa para um suspense imprevisível.

Nota: 4 de 5

sexta-feira, 20 de maio de 2011

[CRÍTICAS] Trilogia Samurai

Samurai - O Guerreiro Dominante (Miyamoto Musashi, Japão)

Photobucket

Diretor: Hiroshi Inagaki
Roteiro: Hideji Hôjô, Hiroshi Inagaki e Takuhei Wakao
Elenco: Toshirô Mifune (Miyamoto Musashi / Takezo), Rentarô Mikuni (Matahachi Honiden), Kuroemon Onoe (Monge Takuan), Kaoru Yashigusa (Otsu), Mariko Okada (Akemi), Mitsuko Mito (Oko, mãe de Akemi),Eiko Miyoshi (Osugi, mãe de Matahachi), Akihiko Hirata (Seijuro Yoshioka), Kusuo Abe (Temma Tsujikaze), Eitarô Ozawa (Terumasa Ikeda), Akira Tani (Kawarano-Gonroku)
Ano de lançamento: 1954
Duração: 93 min.
Sinopse: Ao lado do amigo Matahachi, o jovem órfão Takezo deixa seu vilarejo para se juntar ao exército e enfrentar uma batalha. Vendo-se perdedores, os dois procuram abrigo numa casa isolada onde vive a viúva Oko e sua filha Akemi. Oko acaba seduzindo Matahachi, que cai na tentação da mulher e se esquece de seu noivado com Otsu. Logo Oko, Matahachi e Akemi partem para viver em outro local, enquanto Takezo resolve voltar ao seu vilarejo. Lá ele narra os acontecimentos à família de Matahachi, que além de não aceitar os fatos ainda condena o jovem Takezo por traição. Ele será salvo da morte por um monge que irá ensinar ao rapaz o código dos samurais. O destino acaba colocando Otsu e Takezo no mesmo caminho. Apaixonada, ela promete a ele que irá esperar seu retorno como um cavaleiro errante.

Crítica:

Primeiro filme da trilogia dirigida por Hiroshi Inagaki, que adapta o livro "Musashi", de Eiji Yoshikawa, consegue ser bem fiel à obra original, apresentando várias cenas diretamente retiradas de suas páginas.

Para aqueles que leram o livro, o que de cara chama a atenção é a idade dos atores escolhidos para interpretar Takezo e Matahachi. No livro ambos começam a história com 17 anos, enquanto no filme a dupla é vivida por Toshirô Mifune e Rentarô Mikuni, respectivamente, ambos na casa dos 30. Felizmente eles conseguem conferir jovialidade aos personagens, especialmente Mifune.

O filme foi feito para agradar tanto o público masculino como o feminino, o que fica bem claro pelo quanto a história investe no interesse romântico de Otsu (Kaoru Yashigusa) por Takezo, algo que vez ou outra pesa um pouco no ritmo da história e em seu tom, que torna-se excessivamente melodramático em vários momentos, algo típico de filmes românticos da década de 1950.

Por esta primeira parte focar-se mais na fase arredia e arisca de Takezo, antes de tornar-se efetivamente Miyamoto Musashi, as batalhas de que ele participa parecem todas improvisadas e um tanto desajeitadas, o que acaba combinando com a natureza selvagem do personagem, muito bem representada por Toshirô Mifune.

O roteiro e a direção pecam em dois momentos como adaptação: na cena de abertura, e na passagem responsável por mostrar a mudança moral e psicológica de Takezo.

A cena de abertura do livro, na qual Takezo desperta após a batalha de Sekigahara em meio aos cadáveres do exército derrotado, é uma das seqüências iniciais mais poderosas já concebidas para um livro, e irresistível demais para não ser usada numa adaptação cinematográfica. Ela é forte o bastante para atrair a atenção do espectador logo em seus primeiros minutos. Infelizmente o roteiro co-escrito pelo diretor Hiroshi Inagaki opta por começar a história antes da batalha, mostrando o período em que Takezo e Matahachi viviam juntos na vila Miyamoto, algo que poderia perfeitamente surgir em flashbacks mais adiante na história.

Já o segundo erro da adaptação se encontra no ato final da história, logo após Takezo ser aprisionado no Castelo Himeji. No livro ele passa 3 anos trancado naquela sala cheia de livros estudando-os com afinco, o que acaba modificando sua maneira de enxergar o mundo e seu comportamento, além de aperfeiçoá-lo moralmente, e eliminar grande parte de sua selvageria e impulsividade, tornando-o mais humilde e civilizado. No filme tudo isto é resumido num breve letreiro que mal explica a transformação pela qual passou, e corta logo para uma cena que se passa anos depois, onde ele já assumiu uma nova postura e ganhou o nome pelo qual ficou mais conhecido. Isto poderia ser facilmente resolvido com um clip de alguns minutos, pois trata-se de um ponto importante demais para o desenvolvimento do personagem para ser coberto com um mero texto explicativo.

Apesar das falhas, o filme é feliz ao encenar passagens memoráveis da obra de Yoshikawa, como a captura de Takezo pelo Monge Takuan, e os ensinamentos que este lhe transmite enquanto fica preso na árvore da Vila Miyamoto, ambas muitos fiéis à história original. Além disto o Matahachi de Rentarô Mikuni é tão (ou mais) covarde que o visto no livro. Só senti falta de uma participação maior de Osugi (Eiko Miyoshi) na história, o que traria um pouco mais de humor ao filme, com sua rabugice e determinação cômica características.

Em suma, é uma boa adaptação, mas que poderia ficar melhor através de pequenas mudanças na montagem, e o acréscimo de algumas cenas essenciais para que a filme ganhasse mais solidez.

Nota: 4 de 5


Samurai II - Duelo no Templo Ichijoji (Zoku Miyamoto Musashi: Ichijôji no kettô, Japão)

Photobucket

Diretor: Hiroshi Inagaki
Roteiro: Hideji Hôjô, Hiroshi Inagaki e Takuhei Wakao
Elenco: Toshirô Mifune (Miyamoto Musashi / Takezo), Koji Tsuruta (Sasaki Kojiro), Kaoru Yashigusa (Otsu), Mariko Okada (Akemi), Michiyo Kogure (Yoshino Dayu), Mitsuko Mito (Oko, mãe de Akemi), Akihiko Hirata (Seijuro Yoshioka), Kuroemon Onoe (Monge Takuan), Sachio Sakai (Matahachi Honiden), Yû Fujiki(Denshichiro Yoshioka), Eiko Miyoshi (Osugi, mãe de Matahachi), Daisuke Katô (Gion Toji)
Ano de lançamento: 1955
Duração: 104 min.
Sinopse: Anos depois de começar sua jornada para tornar-se um grande espadachim, Musashi volta a Kyoto para desafiar o líder da maior escola de esgrima da região. Para provar seu valor e suas habilidades, ele cai de propósito numa emboscada armada pelos seguidores da Escola Yashioka. Enquanto isto, seus feitos são observados atentamente por Sasaki Kojiro, um lutador brilhante e habilidoso, que acredita-se capaz de derrotar Musashi.

Crítica:

Neste filme os problemas encontrados na primeira parte da trilogia se potencializam. Novamente o grande destaque que a história dá para o amor de Otsu por Musashi, e para as investidas de Akemi (Mariko Okada) para conquistá-lo, acabam por prejudicar seu ritmo, e tornar a trama monótona e quase insuportável de acompanhar.

Além disto, o longa tem início com uma batalha entre Musashi e Baiken (Eijirô Tôno) totalmente descontextualizada, que além de mal conduzida, serve para introduzir Jotaro (Kenjin Iida), um personagem importante no livro, que no filme é mal aproveitado. O garoto jamais alcança alguma relevância dentro da trama principal, sendo relegado ao papel de figurante de luxo, o que é realmente uma pena, pois no livro ele é responsável por algumas das passagens mais divertidas, além de ser um dos personagens mais carismáticos da saga de Musashi. Jotaro contribuiria muito para eliminar parte da sisudez e melodrama que impediram a trilogia de entreter um pouco mais o espectador.

Hiroshi Inagaki novamente usa letreiros explicativos como muleta narrativa para cobrir pontos da história que não foram abordados diretamente no filme, chegando ao ponto de usá-los para justificar algumas atitudes tomadas por Musashi, jogando-os na tela como máximas escritas pelo personagem em algum diário, um recurso que poderia funcionar se bem empregado, mas que da forma como foi usado soa apenas como um meio preguiçoso de desenvolvê-lo.

Por fim, o tal duelo citado no subtítulo jamais alcança a maestria e o tom épico daquele descrito na obra de Yoshikawa, além de privar-se de retratar os momentos mais impactantes da batalha (no original ele chega a decaptar um garoto logo no início do embate). Seu desempenho excepcional contra toda a Escola Yoshioka é o que tornou Musashi famoso em todo o Japão, por isto a batalha final merecia um cuidado maior em sua execução, pois é a partir dela que o personagem começa a transformar-se numa figura lendária.

Mediano em sua execução, o que acaba salvando o filme é novamente a interpretação vigorosa e correta de Toshirô Mifune, que consegue passar incólume apesar dos muitos tropeços do roteiro.

Nota: 3 de 5


Samurai III - Duelo na Ilha Ganryu (Miyamoto Musashi kanketsuhen: kettô Ganryûjima, Japão)

Photobucket

Diretor: Hiroshi Inagaki
Roteiro: Hideji Hôjô, Hiroshi Inagaki e Takuhei Wakao
Elenco: Toshirô Mifune (Miyamoto Musashi / Takezo), Koji Tsuruta (Sasaki Kojiro), Kaoru Yashigusa (Otsu), Michiko Saga (Omitsu), Mariko Okada (Akemi), Takashi Shimura (Nagaoka Sado), Minoru Chiaki (Sasuke, o barqueiro), Takamura Sasaki (pai de Omitsu), Daisuke Katô (Gion Toji), Haruo Tanaka (Kumagoro, o ladrão de cavalos), Kichijirô Ueda (Monge Ogon), Kokuten Kôdô (Velho Monge Nikkan), Ikio Sawamura (estalajadeiro)
Ano de lançamento: 1956
Duração: 105 min.

Sinopse: Musashi decide abandonar sua vida como guerreiro errante, e passa a viver nos arredores de uma vila cultivando vegetais. Não demora até que Otsu e Akemi o encontrem, e passem a disputar seu amor. Paralelamente Musashi é desafiado por Sasaki Kojiro, com quem promete duelar dentro de um ano. Nesse meio tempo, enquanto se prepara para o duelo, o samurai é forçado a enfrentar um grupo de bandidos que ataca a vila que o acolheu, e conforme o dia de seu maior desafio se aproxima, vê-se obrigado a tomar uma resolução que concilie ou não seu amor por Otsu e sua paixão pelo caminho do guerreiro.

Crítica:

Indo contra as expectativas geradas pelo capítulo anterior, a última parte da trilogia sobre a jornada de Miyamoto Musashi consegue sair-se melhor que seu antecessor, embora tenha sua parcela de falhas, o que o impede de superar a primeira parte.

Este é o filme que tomou mais liberdades criativas com relação à história original. Jotaro ganha um pouco mais de destaque na trama, apesar de acabar assumindo o papel que era de outro discípulo de Musashi na obra de Yoshikawa. Ainda assim, o personagem jamais adquire o brilho e o carisma que possui no livro.

A disputa de Otsu e Akemi pelo amor de Musashi toma um rumo completamente oposto ao visto na obra original, sendo seu ápice a tentativa de Akemi assassinar Otsu, pouco antes da vila onde vivem ser ataca por bandidos, os quais contavam com o seu apoio para realizar o ataque. Além de excessivamente melodramática, a disputa entre as personagens torna-se tragicômica, a ponto de prejudicar o impacto que o diretor visava alcançar com a decisão de mudar o destino final de uma delas.

Por outro lado, Inagaki acerta a mão ao adaptar cenas memoráveis do livro, como o divertido confronto entre Musashi e Kumagoro (Haruo Tanaka) na hospedaria; e sua luta final com Sasaki Kojiro (Koji Tsuruta), que é tão bela como a descrita por Yoshikawa, graças ao cuidado com que toda a seqüência foi filmada à beira-mar conforme o sol se erguia no horizonte. Nesta única passagem o filme consegue captar a essência da obra original, algo que grande parte da trilogia foi incapaz de fazer.

Toshirô Mifune fez o que pôde para retratar a força de caráter, a humildade e a habilidade de uma das mais conhecidas figuras históricas do Japão, e saiu-se admiravelmente bem. Uma pena que os roteiros de toda a trilogia sofram de um desequilíbrio narrativo que o "Musashi" de Eiji Yoshikawa não possui. Fosse ela uma adaptação mais fiel à capacidade do escritor em dosar humor, romance, drama, ação e filosofia, certamente seria uma trilogia tão memorável e relevante para a produção cinematográfica japonesa, como O Senhor dos Anéis foi para a Nova Zelândia e os EUA. Infelizmente ela não chega aos pés do virtuosismo de Peter Jackson e da obra-prima de Eiji Yoshikawa.

Nota: 3,5 de 5

segunda-feira, 9 de maio de 2011

[CRÍTICA] Yojimbo


Yojimbo (Yôjinbô, Japão)


Direção: Akira Kurosawa

Roteiro: Akira Kurosawa, Ryûzô Kikushima

Elenco: Toshirô Mifune (Sanjuro Kuwabatake / O Samurai), Tatsuya Nakadai (Unosuke, o pistoleiro), Eijirô Tonô (Jongi, taberneiro), Yôko Tsukasa (Nui), Isuzu Yamada (Orin),

Kyû Sazanka (Ushitora),
Daisuke Katô (Inokichi, o irmão gordo de Ushitora),



Yoshio Tsuchiya (Kohei),

Seizaburô Kawazu (Seibei, operadora do bordel),



Yosuke Natsuki (filho de Kohei)





Ano de lançamento: 1961

Duração: 110 min.

Sinopse: Um habilidoso samurai (Toshirô Mifune) chega a uma cidade que é dominada e aterrorizada por duas gangues rivais, e decide jogar uma contra a outra para libertá-la do domínio dos criminosos.


Crítica:
Este é o 3º filme do Kurosawa que assisto, e novamente chama a atenção todo cuidado com que o diretor escolhe seus enquadramentos, e distribui com elegância os atores pelo cenário, deixando clara a posição de cada um deles no espaço, algo que muitos diretores atuais não têm o cuidado de fazer, o que compromete o entendimento da dinâmica dos atores em cena.
Também há o bom uso de espaços amplos, muitos deles desertos, que põem o indivíduo em perspectiva com o mundo que o cerca, um recurso muito usado por Sergio Leone em seus faroestes, o que deixa clara a influência de Kurosawa em sua obra.
Toshirô Mifune, mais a vontade do que nunca após ter interpretado tantos samurais em sua carreira, compõe um personagem que desperta carisma no espectador conforme seu caráter, bravura, e habilidade no manejo da espada se manifestam.
Mesmo tratando-se do retrato de um período conturbado do Japão, e apesar da premissa, que poderia perfeitamente render um filme com uma abordagem mais séria, Kurosawa é habilidoso em dosar tensão e humor, sem que um prevaleça sobre o outro. As interpretações caricatas contribuem para o tom cômico de algumas cenas que intermeiam combates mais violentos, embora estes surjam mais teatrais do que realistas.
O filme pode incomodar aqueles que esperam uma história mais movimentada, pois sua primeira metade é reservada para a apresentação do cenário e dos personagens, e para mostrar, sem pressa, as estratégias usadas por Sanjuro para acirrar a rivalidade entre as gangues, e acelerar um conflito direto.
A metade final guarda alguns dos melhores momentos, revelando as reais intenções do samurai e, o mais importante, sua humanidade. Neste ponto a seqüência mais emblemática é a fuga de Seijuro do covil onde foi espancado. Realista nos obstátulos enfrentados, e sem façanhas impossíveis, a seqüência expõe a fragilidade do herói, que passa por apuros quando depende apenas de sua arma para defender-se. Assim, quando a vitória vem, seus valores ganham um peso maior, pois os mesmos trazem consigo a superação da fragilidade humana que todos nós partilhamos.
Akira Kurosawa e Toshirô Mifune novamente mostram porque sua longa parceria é considerada uma das melhores da história do cinema.
Nota: 4,5 de 5

[CRÍTICA] Bad Guy


Bad Guy (Nabbeun namja, Coréia do Sul)

Direção: Ki-duk Kim
Roteiro: Ki-duk Kim
Elenco: Jae-hyeon Jo (Han-ki), Won Seo (Sun hwa), Yun-tae Kim (Yun-tae), Duek-mun Choi (Myeong-su), Yoon-young Choi (Hyun-ja), Yoo-jin Shin (Min-jung), Jung-young Kim (Eun-hye)
Ano de lançamento: 2001
Duração: 100 min.
Sinopse: Han-ki é um sujeito com cara de poucos amigos que senta-se ao lado uma jovem e bela colegial chamada Sun hwa, num banco de praça em pleno movimentado centro de Seoul. Dali ele passa a observá-la com interesse, apenas para ser desprezado em troca. Não demora muito até chegar o namorado de Sun hwa, que se joga nos braços dele, se afastando de Han-ki com nojo. Mas ele não deixa barato: agarra Sun hwa a força e a beija na boca diante do namorado. A confusão se instala, Han-ki apanha de guardas que intervém na situação, e Sun hwa, exige que ele peça desculpas. Ele se recusa a dizer uma palavra que seja, ela lhe dá um tapa, e cospe em sua cara. No dia seguinte Han-ki decide arruinar a vida da garota. E este é apenas o começo da história.

Crítica:
Kim Ki-Duk é um diretor que parece sentir prazer em dividir opiniões pela natureza quase hermética de suas histórias, que apresentam uma lógica interna um tanto confusa, onde causa e efeito parecem trocar de lugar, dando nós em torno de si mesmos, e deixando o espectador atordoado no final de boa parte de seus filmes.
Não sou profundo conhecedor da obra do diretor, mas dos quatro filmes que assisti dele torna-se evidente sua fixação por personagens de poucas palavras, ou totalmente mudos; o papel que o silêncio têm em suas histórias; e sua obsessão por transformá-las em ciclos que se fecham, e remetem ao início da narrativa, ou a algum ponto anterior dela, gerando paradoxos onde é impossível precisar a causa primeira de determinado evento.
Em Bad Guy o paradoxo se esconde numa foto que Sun Hwa (Won Seo) encontra rasgada em pedaços na praia onde vai com Han-Ki (Jae-hyeon Jo). A confusão que se instala no espectador quando o mistério da foto é revelado pode ser sanada se levarmos em consideração a natureza da relação passivo-agressiva que se estabelece entre eles. A foto seria uma mera projeção do desejo desesperado da garota em reunir os cacos de sua vida, e dar algum sentido a ela.
O filme inteiro é sobre essa busca por algo desejado, embora por vias não convencionais. Sun Hwa perde sua liberdade e seu orgulho por menosprezar um homem que mal conhecida, o qual não mede esforços para demonstrar seu desejo de possuí-la através de gestos agressivos e compensadores de sua deficiência. Já Han-ki, com o orgulho ferido, arma um cruel plano de vingança para Sun Hwa. Ao mesmo tempo que alcança o que tanto desejava, não se permite provar da fruta que tanto ansiava, numa espécie de penitência que aplica a si mesmo, pois no fundo é consciente de sua própria crueldade.
Não demora muito para a história se converter num jogo de provocações erótico-agressivas, em que o caos sentimental, e as emoções em retalhos de ambos transforma seus mundos em uma torrente de violência e sexo movidos puramente por uma impulsividade represada.
Bad Guy é um drama de difícil assimilação, que foge do convencional, mostrando-se um tanto seco na progressão dos eventos, e propondo um enigma a seu espectador com a estranheza de seu final. Vale como um ótimo exercício de interpretação das intenções do diretor, mas mostra-se um tanto irregular em sua execução.
Nota: 3,5 de 5