sexta-feira, 16 de novembro de 2012

[CRÍTICA] Dente Canino



Título original: Kynodontas
Direção: Giorgos Lanthimos
Roteiro: Giorgos Lanthimos e Efthymis Filippou
Elenco: Christos Stergioglou (Pai), Michele Valley (Mãe), Aggeliki Papoulia (Irmã mais velha), Mary Tsoni (Irmã mais nova), Hristos Passalis (Filho), Anna Kalaitzidou (Christina)
Ano: 2009
Duração: 94 min.


Incesto é um dos maiores tabus da sociedade em que vivemos, e quando alguém decide abordá-lo tanto no cinema como em qualquer outra mídia, digamos que a pessoa já tem um bocado de atenção garantida, pois é um tópico potencialmente ofensivo ao moral de muita gente.

Dente Canino não apenas aborda o tema, como o faz sem meias palavras. A história de um casal de meia-idade e seus três filhos, uma moça, um rapaz, e uma mulher, já começa levantando dúvidas sobre o espectador. O início enigmático é um de seus diferenciais, gerando confusão a respeito do que estamos presenciando. Nele o trio de irmãos escuta uma gravação que não faz muito sentido: uma mulher explica os significados de algumas palavras que não batem com aqueles que conhecemos.

Não demora muito e somos inseridos na estranha rotina dos três irmãos que, apesar de adultos, se comportam como crianças no esplendor da inocência. Entramos na vida deles no meio de uma crise em formação, embora ninguém da família sinta a aproximação dela, e só tome ciência quando já é tarde demais. Ela vem na forma de Christina (Anna Kalaitzidou) uma mulher que trabalha na empresa do pai (Christos Stergioglou), o único que mantém contato com o mundo exterior.Ele paga a colega de trabalho para satisfazer as necessidades sexuais do filho (Hristos Passalis). É ela quem planta a semente daquilo que eclodirá mais adiante, rompendo gradualmente a redoma erguida em torno daquela família.




Acontece que o rapaz é incapaz de provocar um orgasmo na funcionária/prostituta do pai, levando-a a ensinar a irmã mais velha (Aggeliki Papoulia) de seu “cliente” a satisfazê-la, prometendo dar-lhe um presente em troca. Essa troca de favores é encarada por ela como algo trivial, e não demora para que a mulher com mentalidade infantil use o que aprendeu para ganhar favores de seus dois irmãos, dando início a uma seqüência de eventos que lhe fornecerá a chave para vencer o jogo criado pelo pai, e assim conquistar sua tão sonhada liberdade.

Dentro do sistema criado pelos pais, os filhos só receberão a permissão de sair de casa quando um de seus dentes caninos cair - daí o título do filme - o que dá a eles o direito de aprender a dirigir. Ninguém pode sair da casa, segundo o pai, se não for dentro de um carro, porque do lado de fora há “perigos” dos quais só ficarão protegidos desta maneira.




O “sistema” também inclui palavras cujo significado real é considerado perigoso pelos pais caso os filhos o descubram. Daí um termo chulo como “boceta”, por exemplo, no vocabulário criado por eles significa “chão”, enquanto o órgão sexual feminino é chamado de “teclado”. O mesmo ocorre com “zumbis”, que segundo a mãe é o nome de pequenas flores amarelas, e assim por diante.

Toda estranheza provocada pela convivência com personagens tão singulares é reforçada pelo fato de jamais descobrimos o que exatamente levou o casal a fazer aquilo com os filhos, embora fique subentendido que tudo começou com a melhor das intenções, e sem grandes barreiras e imposições, até tomar um desvio do qual já não havia mais volta.




Também é importante notar a forma “asséptica” com que a história foi filmada. A fotografia é sempre muito clara, ressaltando a “pureza” do ambiente criado pelos pais. As atuações também combinam com o ambiente pouco estimulante. Os atores não expõem seus sentimentos. Só a mãe (Michele Valley) parece afetar-se pela condição de sua família, mas exprime isto apenas quando se tranca sozinha no quarto. O pai só perde o controle emocional quando percebe o erro que cometeu. A impressão é que ambos se impõem um equilíbrio extremo a fim de não “contaminarem” o comportamento dos filhos com rompantes emocionais, ou mesmo leves perturbações no “equilíbrio” visual e psicológico que construíram ao longo de anos em torno de seus rebentos.

A forma como Lanthimos retrata as cenas mais chocantes também incomoda pela trivialidade com que são apresentadas. A câmera fixa, impassiva, não as diferencia dos outros episódios cotidianos, assim como os três irmãos atribuem à sua sexualidade o mesmo valor atribuído às demais atividades que desempenham em seu dia-a-dia. Por isto  quando os três ficam mais agressivos e impulsivos durante a disputa por um pequeno avião de brinquedo, a situação ressoa ainda mais espantosa, por salientar a distorção dos valores e da consciência daqueles indivíduos.




Dente Canino provoca, gera desconforto, angustia, em alguns momentos cativa através da inocência de seus personagens, além de fazer com que lamentemos pelo destino de pessoas tão miseráveis e ignorantes. Tão subitamente quanto entramos, saímos de suas vidas na culminância de uma nova crise, talvez a maior que já enfrentaram. É sentindo um misto de desesperança e alívio que chegamos ao final, temendo as piores conseqüências, e sendo poupados de confirmá-las.

Nota: 4,5 de 5

Um comentário:

  1. Este filme ganhou meu coração. O conteúdo abstrato é extremamente profundo mostrando nossa fragilidade e como todos os nossos valores inclusive de bem e mal estão adeptos ao geral onde vivemos. Os personagens estão em contato direto com o inconsciente , acessando seus ´´eus`` mais profundos e não se dão conta disso.
    Talvez no fundo todos nós vejamos a toda situação problematica e polêmica como aqueles três : naturalmente

    ResponderExcluir