quinta-feira, 27 de outubro de 2011

[CRÍTICA] 12 Homens e uma Sentença

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Título original: 12 Angry Men
Direção: Sidney Lumet
Roteiro: Reginald Rose
Elenco: Martin Balsam (Jurado 1), John Fiedler (Jurado 2), Lee J. Cobb (Jurado 3), E.G. Marshall (Jurado 4), Jack Klugman (Jurado 5), Edward Binns (Jurado 6), Jack Warden (Jurado 7), Henry Fonda (Jurado 8), Joseph Sweeney (Jurado 9), Ed Begley (Jurado 10), George Voskovec (Jurado 11), Robert Webber (Jurado 12)
Ano: 1957
Duração: 96 min.

Jurado 12: Oh, por favor. Ninguém sabe nada a respeito. Isto não é uma ciência exata. 
Jurado 8: Verdade, não é. 


Após ouvir os argumentos da acusação e da defesa, doze jurados se reúnem numa pequena sala para decidir se um réu é culpado ou inocente. Se culpado, sua pena será a morte. Onze deles estão convencidos de que o suposto criminoso é culpado, sobrando apenas um disposto a questionar a validade das provas apresentadas, para o descontentamento da maioria dos demais. Inicia-se então um debate em que todo julgamento é posto em revista, levando os jurados a exporem não apenas suas posições a favor ou contra a condenação do réu, como também suas próprias crenças e preconceitos.

Antes de analisarmos o filme, vale lembrar que este foi o primeiro trabalho de direção de Sidney Lumet para cinema. Antes o diretor havia trabalhado apenas em séries de TV, o que diz muito sobre seu talento, como veremos mais adiante.

O título original, que pode ser traduzido como “doze homens irritados”, fala mais sobre o estado de ânimo da história do que a respeito de sua premissa. A trama compõe um quadro psicológico a partir da irritação daqueles homens com o único deles que “ousa” contestá-los. A partir das indagações do jurado 8 (Henry Fonda), todos são forçados, cada um a seu tempo, a rever suas posições, e reconsiderar suas próprias justificativas, tanto perante os outros como para si mesmos.

Lumet é inteligente ao potencializar a tensão psicológica confinando seus personagens numa sala pequena, quente e mal ventilada, situação que fica ainda pior quando se descobre que o único ventilador do cômodo não funciona.


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Dentro deste cenário limitado o diretor investe nos enquadramentos, closes, e no uso de ângulos variados condizentes com cada momento da narrativa, além de estabelecer um mise-en-scène que tira proveito da espontaneidade e sinergia das atuações. 

Outro fator importante na composição é a fotografia em preto e branco, que busca focar nossa atenção nas reações de cada personagem, evitando nos distrair com outros elementos de menor importância (um risco que existiria caso fosse fotografado em cores). Além disto, a iluminação destaca elementos que evocam sensações como calor, claustrofobia e inquietação, que levam o espectador a compartilhar a experiência com os personagens.


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Num filme que concentra toda a sua ação em um cenário que não muda, também é importante que as atuações soem não apenas convincentes mas envolventes, e disto ele não carece. Todos os atores apresentam ótimas performances, e cada um ganha sua chance de exibir seu talento, sem sobressair, um mérito do roteiro, que soube tirar proveito de cada personagem, equilibrando suas participações na trama. Nenhum ator é desperdiçado, e os diálogos são excepcionalmente bem escritos, afiados, cheios de ironias, cinismo e provocações que exploram ao máximo os conflitos entre os doze jurados.

A história também se beneficia muito da quase completa ausência de trilha sonora. Com os diálogos acalorados ocupando grande parte da trama, a música surge apenas nos poucos momentos de relativo silêncio, salientando o tom reflexivo assumido por alguns dos personagens, quando ganham a chance de fazer uma pausa e se recolherem, a fim de assimilar as últimas informações analisadas pelo grupo. A pouca interferência musical acaba dando à história um senso de imediatismo, algo muito apropriado em um filme cuja montagem simula tempo real (notem como são poucas as elipses presentes na narrativa).


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O roteiro ainda é primoroso em sua atenção aos detalhes do caso. Somos apresentados a ele através dos relatos dos jurados baseados em suas lembranças dos depoimentos e evidências, sem recorrer a flashbacks que desviariam o foco da narrativa para fora daquela sala, preservando, assim, toda a tensão gerada pela carga de informações levantadas, que torna o filme uma experiência imersiva. Além disto, revelando o caso aos poucos, a trama tira proveito de nossa desinformação gerando um suspense que eleva nosso interesse por ela.

Mas o que torna 12 Homens e uma Sentença um filme fascinante é a maneira como o roteiro desvenda seus personagens através de suas discussões a respeito da decisão que devem tomar. Assim, temos o jurado que vê a punição contra o criminoso como um meio indireto de compensar um erro que cometeu na educação de seu filho; o preconceituoso que encara o julgamento como a forma socialmente aceitável de atingir o membro da classe desfavorecida que tanto despreza; o irresponsável que só pensa em livrar-se logo da incumbência de decidir sobre a vida ou a morte de outro ser humano, a fim de voltar sem grandes prejuízos para sua vida mundana e despreocupada; o de origem humilde, que acaba se identificando com o drama do jovem réu; o ponderado, que se mostra desde início aberto a discussões, e não hesita em mudar de opinião quando é convencido de que estava equivocado, e assim por diante.


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Também é importante observar com atenção os figurinos, que dizem muito a respeito da personalidade e classe social de cada um dos jurados, além de apontarem para o posicionamento moral de alguns deles. Por exemplo, o jurado 8 é o único que usa um terno totalmente branco, um detalhe que o destaca dos demais, ilustrando sua discordância inicial da opinião de todos. O branco também torna-o símbolo da clareza de consciência que ele representa na trama, expondo pontos questionáveis dos argumentos da acusação, e dos jurados que concordam com ela, “iluminando” as falhas de suas defesas e os pontos cegos que todos vinham ignorando.

Outro que chama atenção pela cor de seu figurino é o jurado 6 (E. G. Marshall), que usa um terno cinza, reforçando a idéia de que é o único ao longo de todo o filme que comporta-se de maneira equilibrada, sem render-se a expressões extremas (simbolicamente ele está entre o branco e o preto), sendo incapaz de reagir passionalmente, atendo-se apenas à lógica e racionalidade. Notável ainda é sua incapacidade de suar, um reflexo de sua frieza e objetividade, que só cedem quando é totalmente convencido de que cometera um erro de avaliação. Este é o único momento em que vemos uma gota de suor escorrer de sua cabeça.

E não podemos ignorar o detalhe dos paletós de todos os doze jurados. Reparem como cada um retira o paletó num momento diferente, numa sutil analogia ao que ocorre a cada um daqueles homens, conforme se expõem mais através de suas opiniões, se “despindo” da “máscara social” que usam, expondo, assim, suas imperfeições e preconceitos. Tanto que, no final, todos estão sem paletó, indicando que se encontram igualmente “nus” após revelarem tanto de si mesmos para os outros (com exceção do homem de cinza que, mesmo cometendo um erro de julgamento, permanece fiel a si mesmo).


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Talvez a cena mais representativa da mudança sofrida por cada um daqueles homens ao longo da trama seja a que ocorre quando o jurado 10 (Ed Begley) destila todo o seu preconceito contra o réu e a classe que ele representa, e recebe a desaprovação silenciosa de quase todos os presentes, que saem de suas cadeiras, se afastam dele e viram-lhe as costas. É um momento que destoa levemente dos demais por seu tom mais teatral, mas sua mensagem é poderosa o bastante para compensar a falta de “naturalidade”.

12 Homens e uma Sentença é um filme sobre a armadilha das primeiras impressões e da predominância dos pré-julgamentos. Fala também sobre a admissão de nossas próprias falhas, e do benefício da dúvida quando não há clareza nos fatores que definirão o destino de uma vida. É, ainda, uma história sobre novas chances, e a necessidade de aprendermos mais sobre nós mesmos antes de julgar os outros, e descobrir o que há por trás de nossas palavras, atitudes, e da maneira como lidamos com nossas responsabilidades sociais. E diz muito a respeito das imperfeições humanas, e do quanto ainda é utópica a existência de um sistema judiciário perfeito e totalmente justo.


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Sidney Lumet, em seu primeiro filme, desperta uma série de questões e reflexões morais, que por si mesmas são mais do que muitos diretores foram capazes de realizar no início de suas carreiras. É a partir de trabalhos assim que reconhecemos o talento de um cineasta nato, algo que se confirmou nos anos seguintes. Um verdadeiro clássico, entre os melhores de todos os tempos.




Nota 5 de 5

2 comentários:

  1. Rapaz, eu fiquei realmente impressionado com a sua resenha!
    Já há muito tempo quero assistir a esse filme e há muito venho negligenciando isso. Sua análise extensa somente me vez ansiar ainda mais, vou baixá-lo já.

    Se tem algo de que realmente gosto é o modo como um filme prende a atenção pela sua proposta e pelo desenvolvimento do seu roteiro. Algo me diz que praticamente toda a história se estende num único - ou em poucos - cenários, focando-se mais no comportamento desses personagens e na tensão psicológica que isso pode nosm causar. A somar, como você mesmo colocou, o filme fala sobr pré-concepções e julgamentos prévios - e isso me interessa muito.

    Vou vê-lo o mais rápido possível!

    Adicionei-o também aos meus favoritos.
    ;)

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  2. Sim, Luís, quase toda a história se desenrola dentro da sala onde se reúnem, o que torna o trabalho de direção do Lumet ainda mais brilhante.

    Fico contente em saber que gostou da resenha, e agradeço por favoritar-me. Vou conferir seu blog também. =)

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