terça-feira, 27 de setembro de 2011

[CRÍTICA] Aguirre, a Cólera dos Deuses


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Título original: Aguirre, der Zorn Gottes
Direção: Werner Herzog
Roteiro: Werner Herzog
Elenco: Klaus Kinski (Dom Lope de Aguirre), Helena Rojo (Inez), Del Negro (Irmão Gaspar de Carvajal), Ruy Guerra (Dom Pedro de Ursua), Peter Berling (Dom Fernando de Guzman), Cecilia Rivera (Flores), Daniel Ades (Perucho), Edward Roland (Okello), Armando Polanah (Armando), Alejandro Repullés (Gonzalo Pizarro)
Ano: 1972
Duração: 93 min.


Nesta adaptação livre da última expedição do explorador Dom Lope de Aguirre, Werner Herzog opta por uma visão mais pessoal do episódio histórico, transformando-o num conto moral sobre o preço da cobiça e da exploração desmedida de uma cultura por outra.

Aproveitando ao máximo a exuberância das locações, e a irregularidade vertiginosa das paisagens, Herzog mantém sua câmera sempre em movimento, adaptando-se aos aclives e declives do terreno, a fim de acompanhar os personagens de perto, ao mesmo tempo que faz uso do recurso para transmitir a desorientação dos mesmos em meio a montanhas e vales forrados de uma mata densa, que parece estar sempre a um passo de engoli-los com sua profusão de vida vegetal e animal.

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O exotismo das paisagens contribui para a criação de uma atmosfera de mistério, num misto de fascínio e temor, que crescem com o passar do tempo graças ao uso constante de sons ambientes, os quais cercam o espectador tal como envolve seus personagens. A trilha sonora também ajuda a sustentar a ambientação, marcando pouca presença no filme, e na maioria das vezes sendo executada por um personagem da história.

A narrativa em si é febril, seguindo uma lógica própria em que os acontecimentos sucedem muitas vezes sem um sentido claro, de forma a incorporar o estado de torpor que passa a dominar todos os personagens, conforme seus infortúnios se acumulam. É conhecido o fato de Herzog ter dispensado roteiro e ensaios durante as filmagens, uma decisão que se mostrou inteligente, por preservar a espontaneidade na atuação/reação do elenco, dando à produção um aspecto semi-documental muito apropriado para a história.


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Klaus Kinski encarna Aguirre com uma naturalidade assustadora. Sua maneira furtiva e ao mesmo tempo despreocupada de mover-se pelo cenário, parecendo um cruzamento de gato e cobra, o ombro direito caído, o olhar vidrado e distante, a voz baixa e o jeito quase sempre calmo de falar, tudo isto ajuda a tornar o personagem uma presença incômoda, temível e imprevisível, algo que o ator reforça com suas explosões de violência, e seus delírios e divagações súbitos.

Outro fato conhecido é a animosidade que marcou a relação entre Herzog e Kinski, em que o primeiro chegou até mesmo a ameaçar a vida do outro para que não abandonasse as filmagens. Não há como definir até que ponto isto influenciou o resultado final, mas há algo de sobrenatural na interpretação de Kinski, que parece personificar uma entidade maior que Aguirre, e sugar todos os demais para sua espiral de insanidade. Mesmo que o personagem-título abra espaço para que os demais sejam enfocados pela trama, sua presença continua rondando cada cena. É irresistível imaginar se, em parte, Kinski usou seu papel como um meio de sublimar seus próprios desejos de depôr Herzog de sua posição de poder, assim como Aguirre rebelou-se contra Pedro de Ursua (Ruy Guerra), assumindo o controle da expedição que comandava.

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Seja como for, a figura dominante de Aguirre parece inocular em seus comandados uma doença moral que aumenta-lhes a cobiça, e leva-os a participarem de sua loucura. Dom Fernando (Peter Berling) banqueteia na frente de escravos esfomeados. Irmão Gaspar (Del Negro) mal contém sua atração pelo ouro de um índio, aproveitando-se da ignorância deste (que, numa cena hilária, bota a Bíblia no ouvido pra tentar ouvir a palavra de Deus nela contida) para matá-lo por blasfêmia com segundas intenções.

Logo o papel de Aguirre como instrumento da justiça divina escapa de suas mãos, e a punição recai sobre todos. Os que mataram para conquistar o poder são mortos; Inez (Helena Rojo), esposa de Pedro de Ursua, prefere embrenhar-se na mata habitada por canibais, a acompanhar o assassino de seu marido até sua ruína final; Flores (Cecilia Rivera), filha de Aguirre, morre vítima de uma flecha disparada por um nativo.


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A cena final é antológica: Aguirre à deriva em sua balsa improvisada, coberta de cadáveres, e invadida por dezenas de macacos, que mais parecem formigas devorando a carcaça de um inseto morto. A maldição de Ícaro recai sobre o espanhol louco. Um final insólito para um filme idem.


Nota 4,5 de 5

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