quinta-feira, 1 de setembro de 2011

[CRÍTICA] Desejo e Reparação

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Título original: Atonement
Diretor: Joe Wright
Roteiro: Christopher Hampton
Elenco: Saoirse Ronan (Briony Tallis, 13 anos) , Keira Knightley (Cecilia Tallis), James McAvoy (Robbie Turner), Romola Garai (Briony Tallis, 18 anos), Vanessa Redgrave (Briony idosa), Juno Temple (Lola Quincey), Alfie Allen (Danny Hardman), Benedict Cumberbatch (Paul Marshall)
Ano: 2007
Duração: 123 min.


Quando uma criança perde a inocência? Não falo da conquista da maturidade, mas da manifestação da maldade oculta por um rosto que não a denuncia. Uma menina deixa de ser inocente quando torna-se capaz de entender algo que testemunhou? Ou seria a partir do momento em que ela decide não preocupar-se em esclarecer o que viu, e usar sua interpretação do fato para causar o mau àqueles de quem sente inveja, ciúme e raiva?


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Briony (Saoirse Ronan) é uma daquelas meninas maduras demais para a sua idade. Tem olhos espertos, curiosos e inquisidores. Aos 12 anos é dona de uma imaginação fértil, escreve peças de teatro, e tem desenvoltura para organizar ensaios com seus primos. Logo descobrimos que ela não vai muito com a cara de Robbie (James McAvoy), um jovem bonito que presta pequenos serviços em sua casa, e que parece interessado em sua irmã, Cecilia (Keira Knightley). Esta por sua vez parece sentir-se atraída pelo rapaz, embora tente não demonstrar. Um dia Briony vê os dois em uma situação muito peculiar, cujo significado ela não entende por completo, e que mais tarde levará o rapaz a enviar uma carta a Cecília por intermédio de Briony. Deste dia em diante suas vidas mudarão para sempre.

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A premissa pode parecer simples e um tanto clichê, mas Desejo e Reparação destaca-se na execução, e nas surpresas que o roteiro nos reserva.

Um elemento que chama atenção logo nas primeiras cenas é a belíssima fotografia, que desempenha um papel fundamental na história. No início os ambientes e personagens são banhados pela luz do sol, o foco é suave, transmitindo leveza, realçando o brilho da juventude de seus protagonistas, o calor de suas paixões, a atmosfera romântica e otimista de uma vida cheia de promessas para o futuro. Enquanto o segundo ato, ambientado na 2ª Guerra Mundial, usa uma paleta de cores mais limitada, um tanto fria, acinzentada, opressiva, contrastando com o clima esperançoso e vibrante da primeira parte.


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A fotografia também mostra-se essencial na seqüência em que Robbie entra numa clareira, até então iluminada pela luz difusa de um céu nublado, que é brevemente banhada pela luz direta do sol, ao mesmo tempo em que o personagem tem uma rápida lembrança dos dias ensolarados de sua juventude, voltando a nublar-se instantes depois, quando o rapaz se vê diante de dezenas crianças mortas, que trazem à tona a memória de Briony, a menina que arruinou sua vida, numa cena que também sugere seu desejo de vê-la morta como punição pelo que lhe fez.

Também merece destaque a forma como Briony é trabalhada pelo roteiro; pelas três atrizes que a interpretam em fases distintas de sua vida; e pelo diretor e figurinistas.


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Por exemplo, em todas as três fases da vida da personagem uma das constantes é seu corte de cabelo, que pode ser visto como uma das formas encontradas por Briony para punir-se pela culpa que a atormenta. Isto é ressaltado em três momentos nos quais vemos a personagem encarando seu reflexo: quando criança, diante da janela, pouco depois de ver Cecilia e Robbie diante do chafariz; quando adulta, também diante de uma janela do hospital onde trabalha; e já idosa, no espelho do camarim onde prepara-se para sua entrevista. Todas as cenas indicam que foi consciente sua decisão de preservar em si algo que é forçada a encarar sempre que se olha num espelho, algo que não permite que ela esqueça a maldade que fez no passado.

Outro detalhe revelador da culpa carregada por Briony surge quando ela faz companhia a um soldado moribundo, cercado por sugestivas cortinas vermelhas (cor que indica tanto a presença da morte, como da paixão e do pecado). Ela não hesita em entregar-se ao desejo de amar alguém em seus últimos minutos de vida, e ainda é cruel consigo mesma quando diz amá-lo apenas depois de ver o ferimento grave e mortal que o soldado tem na cabeça.

As interpretações de Saoirse Ronan, Romola Garai e Vanessa Redgrave enriquecem a personagem. Cada atriz uma destaca e explora com talento determinados aspectos da menina/moça/mulher, em atuações consistentes e coerentes com seu arco dramático.

Keira Knightley e James McAvoy também não decepcionam, conseguindo transmitir toda angústia e melancolia que passam a dominar suas vidas quando se vêem separados um do outro.

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A direção de Joe Wright é muito precisa na escolha de planos abertos, no primeiro ato, refletindo a liberdade e intensidade presente na vida de seus jovens protagonistas, e no uso de close-ups que salientam expressões sutis, olhares suspeitos, e toques apaixonados. Mas seu grande momento é, sem dúvida, o plano-seqüência cujo palco é a praia de Dunkerque. Além de impecável na execução, a lógica seguida pelo diretor casa perfeitamente com o momento em que ocorre, apresentando gradativamente cada elemento do cenário, conforme Robbie e seus companheiros caminham por ele, tomando, assim, ciência do tamanho do conflito no qual estiveram envolvidos, e terminando por abrangerem o quadro maior formado pelos fragmentos de informação que foram colhendo ao longo do caminho. Mais impressionante ainda é saber que o diretor e a equipe tiveram apenas dois dias para realizar os ensaios e a gravação da cena no local.

Por fim, não posso deixar de comentar a trilha sonora de Dario Marianelli, executada em perfeita sincronia com o tom e o ritmo de cada cena, e inteligente ao incorporar sons diegéticos, como as teclas da máquina de escrever usada por Briony, que servem de pistas sobre a natureza da narrativa.


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Com um elenco bem entrosado, direção virtuosa, fotografia magnífica, figurinos e direção de arte caprichadas, Desejo e Reparação surpreende pela forma com que trabalha temas como culpa, remorso, arrependimento e perdão, e talvez o maior dos erros cometidos por seus personagens: a falta de um diálogo sincero e honesto.


Nota 4 de 5

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