sexta-feira, 9 de setembro de 2011

[CRÍTICA] Vinhas da Ira


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Título original: The Grapes of Wrath
Direção: John Ford
Roteiro: Nunnally Johnson
Elenco: Henry Fonda (Tom Joad), Jane Darwell (Ma Joad), John Carradine (Casy), Charley Grapewin (Avô), Dorris Bowdon (Rose of Sharon), Russell Simpson (Pa Joad), O.Z. Whitehead (Al), John Qualen (Muley), Eddie Quilan (Connie), Zeffie Tilbury (Avó), Frank Sully (Noah), Frank Darien (Tio John)
Ano: 1940
Duração: 129 min.


A miséria humana e a luta pela sobrevivência e por uma vida mais digna. Não importa se a história se passa na Oklahoma dos anos 30, ou no sertão nordestino, quando a universalidade do tema ganha mais importância que seu contexto histórico, aumentam-se as chances de uma obra tornar-se atemporal, jamais perdendo sua força geração após geração. Este é o caso de Vinhas da Ira.


O filme conta a história dos Joad, uma família de agricultores que se vê sem rumo numa terra dominada pela poeira, a fome, e a desesperança, capazes de fazer um padre perder sua fé. 

É este cenário desolador que Tom Joad (Henry Fonda) encontra após passar quatro anos preso por assassinato. Ao lado de seus pais, avôs, irmãos e sobrinhos, Tom embarca numa viagem rumo à Califórnia, em busca de emprego, sustento e dignidade.


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Tom chega junto conosco àquele mundo

Centrando-se inicialmente em Tom, a direção de John Ford já acerta na introdução do personagem, que surge caminhando em direção à tela, chegando em sua terra natal ao mesmo tempo que o espectador. É com ele que somos (re)apresentados ao cenário e à  trama principal. A fotografia em preto e branco, aliada ao figurino desgastado de todo o elenco, que jamais muda ao longo do filme, completam o quadro de pobreza, desolação, e esgotamento, que o filme busca retratar.

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Percalços da viagem

Apesar de seu estilo de direção mais contido, que, nas palavras do próprio John Ford, encara as câmeras como janelas que acompanham passivamente os eventos, o diretor se permite alguns comentários visuais, como na cena em que os Joads chegam a um acampamento onde as condições de sobrevivência são precárias. A câmera inclina-se acompanhando a inclinação do veículo, mas também transmitindo ao espectador a primeira impressão causada pelo local nos personagens.

Ford também cria ótimas metáforas visuais, como a dos “tratores-lagarta”, que devoram a terra, o lar e o sustento das famílias de Oklahoma, em nome do progresso; o vento empoeirado que marca a partida dos personagens de lugares que um dia pertenceram a eles, dando a impressão de que foram varridos dali; e Muley Graves (John Qualen, numa pequena mas memorável participação) vivendo como um fantasma em meio às sombras, escondido nos destroços e na poeira do que um dia foi seu lar e de sua família (além disto  "graves", em inglês, significa "sepulturas").

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A marcha do "progresso"...

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... transformando vidas humanas em sombras fantasmagóricas.

A terra como símbolo da vida daqueles homens e mulheres também é um tema que percorre o filme. Aqueles que não aceitam a mudança ficam para trás, sobrevivendo do pouco que restou, habitando as sobras de um passado que já se foi. Outros perecem a caminho de terras que não são as suas, como os avôs dos Joads, da mesma forma que árvores há muito enraizadas, que não sobrevivem quando alguém tenta mudá-las para um outro solo.

Os “ventos da mudança”, visualmente representados no início do filme, voltam a aparecer em outros pontos da trama de forma menos literal, conforme acompanhamos a fragmentação da família Joad durante sua viagem pelo país. Alguns têm suas vidas arrastadas ao fim derradeiro (os avôs), outros, tentados por oportunidades melhores, são levados para novos começos (Connie). Mais tarde, numa nota mais esperançosa, Ma Joad (Jane Darwell) usa outro símbolo, desta vez mais ligado à vida, para estabelecer a diferença que vê entre a postura dos homens e das mulheres com relação a mudanças: para ela os homens lidam com elas aos solavancos, enquanto as mulheres são mais como um rio, fluindo sempre em frente, atravessando obstáculos sem fim.

Henry Fonda interpreta Tom Joad com total entrega, levando o expectador a aceitá-lo como seu representante na história. Ao seu lado compramos briga quando a causa é justa, e adquirimos uma consciência cada vez mais ampla, conforme prosseguimos em nossa viagem através de uma realidade que afeta mais do que sua família, aumentando sua “fome” por uma vida mais justa e digna para seus semelhantes.


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Mãe e filho, fontes de inspiração mútua.

O amadurecimento de Tom se deve muito à presença da mãe, uma mulher sábia, íntegra, que em sua rudeza é capaz de aceitar sua condição sem dar-se por vencida. Brilhantemente interpretada por Jane Darwell, sempre com um semblante sofrido e exausto, mas insistente em seu apego à vida, Ma Joad é uma mulher que se adapta às condições a que foi submetida, sem combatê-las. Num dos momentos mais tocantes e definidores da personagem, a encontramos queimando lembranças num pequeno fogareiro, escolhendo  pragmaticamente aquelas que quer carregar consigo, e livrando-se das que não possuem muito valor afetivo. É uma cena singela, de curta duração, mas poderosa na riqueza de significados e insights sobre aquela mulher, que se mostra tão respeitável em meio a tanta miséria.

Mãe e filho dividem alguns dos melhores momentos do longa, como aquele no qual Tom vê Ma Joad dando parte de sua comida a crianças famintas que acabara de conhecer, indo contra o bom senso de economizar o pouco que ainda resta para a sobrevivência de sua família. E o diálogo final entre mãe e filho, em que texto, atuações e direção atingem o auge e rendem uma daquelas cenas que fazem jus à definição de "7ª arte".



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"We'll go on forever, Pa, 'cause we're the people."

Crítico, incisivo, e ainda assim poético e extremamente respeitoso com a classe que busca retratar, John Ford realizou com Vinhas da Ira um retrato de uma parcela da humanidade diante do qual somos incapazes de ficar indiferentes. Acima de qualquer técnica e estilismo empregado, merece elogios a abordagem mais direta e realista, o drama bem dosado, e as atuações sem floreios e exageros. Demonstrando sabedoria, John Ford enxergou no material que tinha em mãos a força de sua mensagem, deixando que ela brotasse naturalmente dos elementos fílmicos que coordenou. É na simplicidade dos personagens, e na objetividade da direção, que se esconde a beleza de Vinhas da Ira, uma obra-prima sem pretensões de sê-la.



Nota 5 de 5

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