quinta-feira, 15 de setembro de 2011

[CRÍTICA] De Repente, No Último Verão


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Título original: Suddenly, Last Summer
Direção: Joseph L. Mankiewicz
Roteiro: Gore Vidal e Tennessee Williams
Elenco: Elizabeth Taylor (Catherine Holly), Katharine Hepburn (Sra. Violet Venable), Montgomery Clift (Dr. Cukrowicz), Albert Dekker (Dr. Lawrence J. Hockstader), Mercedes McCambridge (Sra. Grace Holly), Gary Raymond (George Holly)
Ano: 1959
Duração: 114 min.




“As vidas de muitas pessoas nada mais são do que trilhas de detritos - a cada dia mais e mais detritos... longas trilhas de detritos, com nada para limpá-los além da morte.” - Sra. Venable


De Repente, No Último Verão trata da misteriosa morte de Sebastian Venable, um poeta, filho da aristocrata Violet Venable (Katharine Hepburn), que contrata o Dr. John Cukrowicz (Montgomery Clift), cirurgião, para realizar uma lobotomia em sua sobrinha, Catherine (Elizabeth Taylor), última pessoa que viu seu filho vivo, considerada insana por insistir num relato absurdo sobre os últimos dias de vida do rapaz, e insinuar que há uma verdade ainda mais terrível sobre a morte de Sebastian do que a Sra. Venable é capaz de admitir.

O filme não demora para estabelecer-se como um suspense psicológico, carregando na atmosfera misteriosa e tensa durante a visita do Dr. Cukrowicz à Sra. Venable. É um trecho que merece muita atenção, pois nele somos introduzidos aos temas que marcarão presença em toda a trama.

Um primeiro elemento que chama atenção na longa conversa entre o médico e a aristocrata é o cenário onde ela acontece: um jardim formado por plantas remanescentes das primeiras eras geológicas da Terra. Suas formas evocam os primórdios da vida no planeta, e parecem carregar consigo uma parcela dos medos enfrentados pelos primeiros seres vivos que habitaram as florestas titânicas e ameaçadoras de outrora. Sem dúvida um elemento de intimitação usado pela Sra. Venable contra o Dr. Cukrowicz. Além disto os relatos sempre evasivos de Violet, que evita entrar em detalhes sobre as circunstâncias da morte do filho, torna a experiência enervante e confusa, completando o quadro de desconforto e insegurança no qual o médico se encontra inserido.


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O jardim da aurora da vida

Outro tema importante introduzido neste primeiro encontro entre o Dr. Cukrowicz e a Sra. Venable é a impiedosa e insaciável fome da natureza. Violet alimenta uma planta carnívora com uma mosca, e mais tarde relata a experiência que teve ao lado do filho, quando presenciaram pássaros devorando filhotes de tartaruga. Mais adiante Sebastian é descrito como um homem que “consome” a beleza daquelas que o acompanham em suas expedições, não hesitando em substituir a mãe pela prima, quando a primeira perde a atração física que tanto o interessava em seus experimentos sociais. Já em outra ocasião Catherine diz que o primo enxergava as pessoas como pratos a serem “degustados” e usados como matéria-prima para suas poesias.


A luta pela sobrevivência também é abordada pela história em seu papel mais primordial. Para Violet, Sebastian era um forte entre os fracos, um homem com sensibilidade para captar nuances da natureza e transformá-las em arte, alcançando planos de consciência mais elevados. Daí sua afirmação de que o filho viu a face de Deus durante sua epifânica e aterradora experiência nas Ilhas Galápagos (e a importância do local na gênese da teoria da evolução de Charles Darwin torna evidente que sua escolha foi proposital).


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Cenário acompanhando o tom da conversa

Diante do quadro mais amplo que se forma, no qual Deus, natureza, morte e selvageria estão intimamente relacionados, não surpreende o quanto seus personagens negam e temem a maldade e bestialidade da natureza (humana ou não). Todos procuram fugir da verdade sobre a morte de Sebastian e o que ela representa, por isto o interesse em "apagá-la" da mente de Catherine, e abraçar falhas "menores" da condição humana, como a ganância, a dissimulação, a frieza, e até mesmo a loucura, em nome do conforto oferecido pela ignorância.


Também é notório o uso da frase que dá nome ao filme por diversos personagens. Ela pontua a hesitação e o medo de reviverem um momento de suas vidas onde houve uma ruptura com o previamente estabelecido, e o contato com uma faceta do mundo que preferiam não conhecer.


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Catherine e sua batalha interior para recuperar as memórias do último verão

A morte de Sebastian, para cada um deles, abriu caminho para que uma realidade maior invadisse aquela que construíram em torno de si. Nela o ser humano é forçado a confrontar o que há de mais terrível em sua própria natureza, desde os primórdios da vida na terra (daí o jardim pré-histórico, uma espécie de gatilho que ativa memórias filogenéticas, lembranças de nossas origens mais selvagens, quando o instinto era tudo que possuíamos para sobreviver, tirando proveito dos mais fracos, devorando-os para garantir o sustento, a preservação da espécie, e a continuidade da evolução).

Ironicamente Sebastian, tido por sua mãe como um forte, mostra-se fraco quando descobrimos as circunstâncias de sua morte. Saber que o filho morreu vítima de seres “inferiores” é algo que Violet não aceita, criando para si a versão em que Sebastian sofre um ataque cardíaco. Quando é finalmente forçada a confrontar a verdade, Violet enlouquece e, na maior ironia da trama, lobotomiza-se psicologicamente, esquecendo a morte do filho, e projetando-o no Dr. Cukrowicz.


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"Quem foi que disse que somos um bando de crianças tentando soletrar o nome de Deus com as letras erradas?”

Com um roteiro tão denso em mãos, que ainda lida com temas polêmicos como incesto, estupro e canibalismo, Joseph L. Mankiewicz explora ao máximo seu elenco. Katharine Hepburn é a que mais se destaca, com uma personagem que caminha a todo instante entre a sanidade e a loucura, enquanto Elizabeth Taylor é competente ao trabalhar a oscilação de humor e atitudes de uma mulher desequilibrada e incapaz de acreditar até em si mesma em certos momentos. Já Montgomery Clift transmite toda perplexidade e confusão do Dr. Cukrowicz, um homem preso em uma teia de intrigas, inverdades e distorções dos fatos, que precisa descobrir o que se esconde por trás de tantos interesses egoístas a fim de tomar uma decisão justa.

De Repente, No Último Verão é um filme que merece ser revisto e analisado com minúcia, a fim de abarcar toda riqueza simbólica de sua trama. Um verdadeiro deleite para psicólogos, psicanalistas, e apreciadores de suspenses inteligentes e instigantes.


Nota 5 de 5

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