Como um personagem tão detestável pode ser o protagonista de um filme, e tornar a tarefa de assisti-lo divertida? Com um ótimo roteiro, elenco à altura, e uma direção que transforme repugnância em absurdos hilários, e insights surpreendentemente profundos sobre seu protagonista.
O cheiro do ralo, o olho "do pai", a bunda, a obsessão em possuir tudo que deseja, todos elementos que funcionam em duas camadas, seja como elementos cômicos, ou como pequenas pistas do que levou Lourenço a ser como é, e desenvolver as neuroses que possui e se agravam ao longo da história.
É irresistível a tentação de associar o odor do ralo com os desejos reprimidos e socialmente reprováveis do inconsciente de Lourenço, e ver o olho "do pai" como uma representação simbólica do superego, vigiando cada atitude do protagonista, que tenta apaziguar sua consciência tornando o "olho" seu cúmplice.
A "bunda" é um caso a parte, podendo representar tanto o desejo desesperado de Lourenço em estabelecer algum tipo de conexão apaixonada com outro ser humano, ao mesmo tempo que representa, na visão deturpada de Lourenço, sua vontade de ligar-se a uma "força superior" (completando o quadro que ele mesmo pinta, ao associar o cheiro do ralo ao Inferno).
Lourenço acaba pagando por seus pecados logo depois de alcançar a "salvação/bunda", ao ser mortalmente baleado pela garota de quem abusou.
É por possibilitar múltiplas leituras como esta que O Cheiro do Ralo torna-se um entretenimento inteligente sem soar excessivamente intelectual, e permitir que o expectador o aprecie sem exigir do mesmo uma leitura profunda da história.
Nota: 4 de 5
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