terça-feira, 16 de agosto de 2011

[ANÁLISE SIMBÓLICA] A Árvore da Vida


Um Mergulho no Simbolismo de Terrence Malick

(contém SPOILERS)

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Título original: The Tree of Life
Diretor: Terrence Malick
Roteiro: Terrence Malick
Elenco: Brad Pitt (Sr. O'Brien), Sean Penn (Jack), Jessica Chastain (Sra. O'Brien), Hunter McCraken (Jovem Jack), Laramie Eppler (R.L.), Tye Sheridan (Steve)
Duração: 139 min.
Ano: 2011


A Árvore da Vida é dotado de uma hábil fluidez com a qual Malick encadeia seus questionamentos e reflexões por intermédio de seus personagens, e de imagens plasticamente belas e sutis, que compõem ricas metáforas visuais, as quais cobrem um período da história da vida na Terra, partindo da formação de sua estrutura geológica, sua biogênese, até alcançar o ponto desta macroestrutura narrativa onde está inserida a história da família O’Brien, e de seu primogênito, Jack.

O título diz muito sobre o filme. A Árvore da Vida é mais do que a árvore genealógica dos O’Brien, e está além da correspondente bíblica, cujo fruto era permitido a Adão e Eva. Simbolicamente, no contexto elaborado por Malick, a árvore representa a complexa cadeia de eventos que, partindo de um só ponto, ramificaram-se, gerando uns aos outros, da origem do universo ao nascimento de Jack.

Interpretado por um Sean Penn que parece viver à parte do mundo que o cerca, Jack tenta estabelecer contato com o objeto de sua busca, seja tocando filetes de água com reverência, e acariciando plantas que crescem timidamente numa verdadeira selva de concreto e aço, fria, impessoal, e pouco acolhedora.

Também é representativo de seu deslocamento no presente o momento em que o vemos vagueando pela casa enquanto evita encontrar-se diretamente com a esposa.

Apesar do filme começar com reflexões da Sra. O’Brien, a maior parte dele funciona como um grande flashback de Jack. Portanto, as indagações da mãe também podem ser encaradas como lembranças de seu filho, que, assim como ela, procura entender o quadro maior no qual está inserido como indivíduo de uma das incontáveis espécies que viveram e se extinguiram ao longo da história do planeta.

Quando Jack acende uma vela em memória do irmão morto, um símbolo importante, o ato o ajuda a trazer à tona lembranças dos fatos que moldaram sua vida e sua personalidade, mas também evoca uma memória mais profunda, compartilhada por cada ser vivente no planeta.


Toda a seqüência da origem do universo e da vida na Terra demonstra a preocupação do diretor em alcançar um equilíbrio entre linhas opostas de pensamento, um dos principais temas do filme. Malick parece a todo momento louvar uma força maior que permeia tudo, mas procura conciliar religião e ciência, ao incluir a última em seu louvor, mostrando a grandiosidade presente no microcosmo das moléculas e cadeias primitivas de DNA, e contrastando-a com a pequenez de Jack e sua família diante da proporção macrocósmica da cadeia de acontecimentos que culminaram em seu nascimento. Outro destes contrastes é encontrado na tocante cena em que um dinossauro poupa a vida de outro ferido, cujo gesto, mais tarde é reproduzido pelo irmão de Jack, que por sua vez o dirige ao amigo deformado por queimaduras.

Outra poesia visual de beleza arrebatadora é a metáfora criada por Malick para o nascimento, quando vemos o pequeno Jack, antes mesmo de nascer, emergindo de uma casa submersa, nadando em direção a uma luz que se encontra acima das águas. O diretor usa outras variações do mesmo tema ao filmar cânions de baixo para cima numa quase explícita representação da fenda vaginal por meio da qual o ser humano entra no mundo, ou focando a saída de cavernas escuras que apontam para um mundo iluminado pelo sol.

Malick também merece elogios por ilustrar a investigação filosófica de Jack com simplicidade, reproduzindo belezas singelas das relações humanas ao captar, de maneira intimista, gestos e expressões de amor, carinho, compaixão e piedade. Ao mesmo tempo, o diretor foi cuidadoso na seleção de situações de apelo universal, dotando-as de complexidade, ao exibi-las junto a trechos, numa primeira vista, desconexos, que vistos num contexto maior dialogam subjetivamente com o tema da cena anterior, servindo de ponte para a seguinte, expandindo o significado do conjunto, numa justaposição que confia na intuição do expectador. O efeito é reforçado pelas reflexões e indagações que pontuam a trama, num contínuo diálogo entre os personagens e uma força / presença que pode ser tanto superior e externa a eles, como profundamente interior. É como se todos as três principais vozes reflexivas (mãe, pai e filho) estivessem num eterno conflito consigo mesmas, que desafia o que tinham como verdades absolutas.

Por tratar-se de um filme povoado de personagens mais arquetípicos do que “concretos”, A Árvore da Vida apresenta conflitos universalmente conhecidos.

Temos o filho que se apaixona pela mãe, sente-se culpado por desejá-la, e busca satisfazer seus desejos indiretamente, usando um objeto pertencente a ela como meio de exteriorizá-los, para logo em seguida livrar-se dele numa tentativa falha de eliminar sua culpa.

Para completar o drama edipiano, vemos a batalha entre o amor e o ódio que sente pelo pai, por ser incapaz de conquistar e receber todo o amor da mãe, a qual também gera os ciúmes que Jack tem de R.L., seu irmão do meio, que atrai a atenção da mãe ao nascer, e cai nas graças do pai quando desenvolve seu talento musical.

O pai, que se arrepende de não ter seguido o caminho da arte, e se contenta em ver R.L. seguindo o caminho que não escolheu, também é representativo do conflito maior apresentado no início do filme, pois ele, sendo a personificação do caminho da natureza descrito pela mãe, está fadado a “conseguir favores dos outros, dominá-los, e procurar razões para ser infeliz enquanto todos brilham ao seu redor”.

A mãe, que louva e glorifica a vida, revolta-se com a morte do filho. O pai, que deseja o amor incondicional dos filhos, exterioriza seus sentimentos e sua preocupação por eles submetendo-os à sua rigidez e pragmatismo. O filho, que não encontra um meio de conciliar o amor que sente pelos pais, tenta transformar o amor que nutre por seu genitor em ódio, mas se vê incapaz de levá-lo às últimas conseqüências, quando recebe a chance de matá-lo.

É importante também falar da estrutura familiar vista no filme, em que a mãe aparece como força agregadora, mantendo-a unida através de sua espontaneidade e entrega, conquistando os três filhos e o marido, apaziguando-os, e levando-os ao entendimento e à conciliação, na medida do possível.

Em contrapartida o pai tenta conquistá-los com sua força, sua disciplina, embora, em última instância, se mostre tão dependente da força apaziguadora da esposa quanto seus filhos, para preservar a unidade familiar, e impedir que perca o amor deles, algo que tanto teme, a ponto expôr seu medo a Jack, num dos momentos mais emocionantes do filme.

A mãe, interpretada com enorme sensibilidade por Jessica Chastain, é como um sol fulgurante, glorioso, algo que é constantemente sugerido pela celestial fotografia de Emmanuel Lubezki, que sempre procura exibi-la banhada de luz solar, refletida por sua pele alva, e seus cabelos ruivos, que remetem ao fogo, outro tema que se repete no decorrer do filme, como veremos adiante. A mãe, portanto, ocupa o lugar do Sol, em torno do qual pai e filhos gravitam. Sua aparente fragilidade é a força que mantém unida aquela família, enquanto a dureza do pai é geradora de conflitos que ameaçam ruí-la. Ela é a força manifesta por meio da gentileza, da doçura, da graciosidade, que encanta e atrai as demais para si.

E num filme tão carregado de símbolos e metáforas, alguns se destacam. Um deles é a pequena vela acesa por Jack, já adulto, em memória de seu irmão morto. Sua chama ecoa aquela que marca presença em diversos momentos do filme, e parece representar a voz da mente humana em sua tentativa de estabelecer contato com o poder maior que permeia tudo. Esta, por sua vez, remete à chama cósmica que vemos espalhando-se pelo espaço, gerando galáxias durante a formação do universo, e também ao mar de chamas que engole a Terra no final.

Outro símbolo recorrente no filme é o sótão apontando para uma janela aberta. Primeiro o encontramos vazio. Mais tarde vemos um garoto caminhando por ele, que em outra ocasião parece receber lições de um professor, ou é doutrinado por um pastor, que mal cabe de pé no cômodo. Por fim o sótão aparece sem qualquer presença humana, exceto por um indício de que ali esteve alguém, representado pelo triciclo abandonado. Mais uma metáfora do ciclo da vida, em que o sótão vazio representa o útero materno, a chegada da criança é o nascimento e infância do homem, que depois recebe seu aprendizado, e amadurece, abandonando o triciclo e suas últimas ligações com a infância, passando para a vida adulta. Isto é embasado pelo filme ao constatarmos que Jack vive num mundo que pouco lembra a vida quase idílica que tinha ao lado dos pais em regiões cheias de árvores, gramas e lagos, onde seu contato com a natureza era diário, e suas brincadeiras eram incentivadas pela mãe.

O “caminho das pedras” que Jack aparece percorrendo em diversas cenas, tendo como guia seu “eu infantil”, nada mais é que o “deserto” que o separa da infância, de suas origens, de sua natureza última.

Após reviver passagens significativas de sua infância e adolescência, Jack encara o que pode ser descrito como seu Juízo Final Pessoal, quando toda a sua vida anterior chega ao fim, culminando em sua comunhão, sua reconciliação derradeira com seu pai e sua mãe, as forças opostas que lutavam em seu interior, e seus irmãos, contra quem dirigia a revolta gerada pelo conflito que era forçado a resolver.

Ali, naquela praia, símbolo do mar primordial, de onde surgiu as primeiras formas de vida do planeta, perdas são aceitas pelo valor que assumem sob a perspectiva do ciclo que se completa. Mãe e filho tornam-se conscientes de que, em essência, o que importa é o que viveram neste mundo, e o amor recebido de quem amaram como reflexo de seu amor por eles. Diante do mar do princípio e do fim, passado, presente e futuro se encontram, e Jack se vê diante de si mesmo ainda criança, ao mesmo tempo em que presencia a mãe aceitando a perda do filho, e faz as pazes com seus pais e irmãos que já se foram.

O velho mundo de Jack termina, engolido pelo Sol de sua iluminação, do qual renasce para o mundo concreto (antes ele subia no elevador, agora ele desce, chegando ao nível da rua, ao mundano), renovado, em paz consigo mesmo, por atingir um equilíbrio interno em que Mãe e Pai são igualmente amados. Um mundo no qual ele completou sua busca, e voltou a entrar em contato com a fonte da vida, na praia de onde ele próprio emergiu de uma casa submersa para dar-se à luz.

Neste ponto a complexa rede simbólica tecida por Malick atinge seu esplendor, e tudo que veio antes retorna com um significado ainda maior. Um misto de razão e fé, lógica e intuição, que levou este que vos escreve à convicção de que estava diante de uma das grandes obras-primas de nosso tempo.

Por favor, deleite-nos um pouco mais, Terrence. Este mundo em tumulto precisa de mais experiências gloriosas, extasiantes e arrebatadoras como esta.


Nota: 5 de 5

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