segunda-feira, 29 de agosto de 2011

[CRÍTICA] Meu Ódio Será Sua Herança

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Título original: The Wild Bunch
Diretor: Sam Peckinpah
Roteiro: Walon Green e Sam Peckinpah
Elenco: Willian Holden (Pike Bishop), Ernest Borgnine (Dutch Engstrom), Robert Ryan (Deke Thornton), Edmond O'Brien (Freddie Sykes), Warren Oates (Lyle Gorch), Jaime Sánchez (Angel), Ben Johnson (Tector Gorch), Emilio Fernández (Gen. Mapache), Strother Martin (Coffer), L.Q. Jones (T.C.)
Ano: 1969
Duração: 145 min.

"Todos sonhamos em ser criança de novo, mesmo os piores de nós.
Talvez os piores desejem mais." - Don Jose


A frase acima diz muito sobre os integrantes do tal “Bando Selvagem” do título original. Com exceção de Angel (Jaime Sánchez), que tem pretensões mais politizadas, os demais bandidos liderados por Pike Bishop (William Holden) parecem envolvidos no mundo do crime mais pela diversão, dinheiro, mulheres e bebedeira, do que em busca de um objetivo maior. Entregam-se de maneira inconsequente às suas paixões e instintos, no que parece uma tentativa de preservar o descompromisso da infância com qualquer tipo de convenção social. Um bando de selvagens, portanto.

Essa falta de um sentido mais elevado sustentando suas ações é explorada através de Pike, numa ótima interpretação de William Holden, que em vários pontos da história aparece dirigindo um olhar distante e angustiado a alguma criança, seja durante uma festa em que os demais integrantes de seu grupo se divertem, ou no quarto de uma prostituta, que não se importa em manter o filho recém-nascido perto de seu cliente. Naqueles rostos cheios de inocência e possibilidades, Pike parece enxergar a criança que um dia foi, os caminhos que deixou de escolher, ou mesmo a família que jamais formou graças à vida que escolheu levar.

Assim, justifica-se a violência gráfica presente na história, que funciona como válvula de escape daqueles homens. No fundo é frustração o que sentem pelo rumo que tomaram, não restando muito a fazer que não seja mergulhar de cabeça em suas operações criminosas, agindo com impulsividade, para logo em seguida entorpecer a mente com bebidas, e saciar suas necessidades sexuais com mulheres que tratam como meros objetos de prazer momentâneo. Eles não querem encarar seus próprios demônios, mas afogá-los com o que/quem tiverem ao seu alcance.

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O roteiro equilibra bem a violência e os atos reprováveis do grupo principal, com passagens que focam sua convivência, e ressaltam o companheirismo que existe entre eles. O clima acolhedor de cenas como aquela onde Pike conversa com Dutch (Ernest Borgnine) em tom confessional, à beira da fogueira, deitados em sacos de dormir, torna os personagens familiares e simpáticos ao espectador por revelarem-se cheios de falhas, inseguranças e arrependimentos, apesar do destemor que exibem durante suas atividades criminosas. O descontraído bate-papo na sauna; e o momento em que riem juntos após se darem conta de que foram enganados em seu primeiro assalto, também ameniza os personagens aos olhos do espectador.

Outro grande mérito do filme é a montagem, que impede a trama de tornar-se cansativa. As seqüências de ação são intensas, com tiroteios cheios de cortes rápidos e frenéticos, inovadores para a época, que inserem o expectador no cenário caótico dos confrontos, e não o poupam de imagens que mostram o estrago feito pelas balas (embora o sangue com textura de tinta comprometa a verossimilhança do efeito).


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Dentre todas as seqüências de ação, a que mais se destaca é a do assalto ao trem. Sem trilha sonora, e quase inteiramente sem diálogos, cada cuidadoso movimento de Pike e seu bando é pontuado com o som do escape do vapor, que aumenta a tensão e o tom apreensivo de cada cena.

A perseguição que ocorre logo em seguida é outro grande momento da direção de Peckinpah, e da montagem de Lou Lombarod, que alterna com agilidade entre os três grupos envolvidos (a locomotiva dominada pelo bando, os caçadores de recompensa a cavalo, e os soldados do exército), sem jamais perder o controle de cada foco narrativo, nem confundir o espectador, a ponto de brincar com a ordem estabelecida pela montagem ao invertê-la quando os bandidos botam o trem em marcha ré, fazendo-o cruzar o caminho dos dois grupos que ficaram pra trás.


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Peckinpah também faz bom uso de metáforas visuais, como a que abre o filme, na qual crianças se divertem jogando escorpiões em um formigueiro, antecipando o resultado do assalto que veremos logo a seguir. O mesmo se dá na cena em que abutres rondam um local onde acaba de ocorrer uma carnificina, ao mesmo tempo em que os caçadores de recompensa chegam para “revirar a carniça” em busca de seus “prêmios”.

Com um elenco equilibrado, roteiro muito bem estruturado, e uma direção inspirada, Meu Ódio Será Sua Herança muda as regras do gênero, e explora um lado pouco abordado em outros faroestes da época, no qual os “bons” cedem lugar aos “maus e os feios”. Merece seu lugar na história do gênero e na lista dos melhores faroestes já produzidos.


Nota 4 de 5

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